O primeiro passo numa caminhada
visando a um “letramento audiovisual” é, certamente, assistir a filmes.
Lógico, a seguir deve-se analisá-los, ler e estudar sobre eles, pensar sobre o
que representaram na época em que foram produzidos, ou depois, nos momentos em
que foram exibidos – no seu lançamento comercial, em casa ou na sala de aula.
Imprescindível para todos que
pretendam lidar com “narrativas audiovisuais” [1]
– pesquisador ou professor – assistir a filmes cria e amplia a cultura, o repertório
cinematográfico – ou de narrativas audiovisuais – e também constrói ou
aprimora conhecimentos sobre a linguagem audiovisual e suas possibilidades de
uso. Assistir filmes frequentemente, não só entra na construção do processo de “letramento
audiovisual”[2] - que deve ser compartilhado com os alunos - como deve ser considerada uma das mais estratégicas práticas de aprendizado empírico.
Análogo ao letramento literário,
é interessante que o processo siga uma trajetória crescente de “especialização”
– no sentido do reconhecimento de elementos característicos da arte
cinematográfica. Assim como outras formas de ensino-aprendizagem, o letramento
audiovisual consiste em trazer para campo do conhecimento objetivo, das
ciências, práticas culturais que são, estritamente falando, habilidades
largamente empregadas e característica da espécie humana.[3]
O processo de “letramento
audiovisual” pretende formar “leitores especializados” e consiste, basicamente,
de iniciar com a exibição de obras seguidas de análises mais simples, avançando
até chegar às mais complexas. A finalidade é fazer com que o analista e/ou o público
sejam capazes de alcançar a fruição de obras canônicas – com o cuidado de evitar
estabelecer hierarquias, sempre reféns das culturas “dominantes”, em todos os campos.
Um dos elementos fundamentais
desse letramento é aprender sobre a linguagem audiovisual/cinematográfica para
ser capaz de analisá-la – tema que trataremos adiante. Uma
análise sumária das obras audiovisuais que circulam na cultura indica que seus
dispositivos não parecem ter limites de criação ou invenção. A sugestão do
filme A invenção de Hugo Cabret (SCORSESE, 2011) pretende
contribuir para o reconhecimento desse maravilhoso traço na/da sétima arte, sua
capacidade ilimitada criar e encantar.
O filme
usa o recurso de 3D em um enredo que tem o período da história do cinema como
contexto, exibindo, inclusive, sequências cinematográficas de filmes históricos,
de maneira dramatizada-performativa. Além da estória do menino contada
pela narrativa cinematográfica – muito sensível e humana, Scorsese também apresenta
um personagem histórico – Méliès. O
filme ainda exibe algumas das obras de Méliès e representa o que deve ter sido
o mundo da sétima arte nas primeiras décadas do século XX, destacando a magia que
envolvia a produção cinematográfica na época.
São
mostradas algumas das primeiras estratégias de construção de narrativas
audiovisuais e algumas das prováveis práticas e invenções do primeiro cinema. Nos
são apresentadas também as temáticas abordadas pelos filmes, as formas simples
de enredo, montagem e o uso de alguns dispositivos cinematográficos
mais básicos. O público pode vislumbrar os sonhos por trás das produções, o
caráter amador e experimental dos diversos realizadores. Não seria exagero
afirmar que a ideia de “magia” que o cinema significou nas primeiras décadas
tona-se menos obscuro para os públicos do filme.
Reunindo dramatização/performances sobre a vida no cinema
das primeiras décadas e sequências cinematográficas históricas sob uma tecnologia
de recente e sofisticada, o diretor nos brinda com uma obra de arte do cinema
contemporâneo e nos faz testemunhar o quanto a sétima arte é dependente da
linguagem.
Viva o cinema, enfim!
[1]A
ideia de “narrativas visuais” e como foram engendradas, bem como uma
historiografia sobre o tema pode ser encontrada na obra de Burke (BURKE, Peter.
Testemunha Ocular: história e imagem. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2004:
175-211). Sobre a noção de “narrativas audiovisuais” pode-se consultar, além de
Burke, Ferro (FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2010) e Abdala Jr (História e narrativas audiovisuais, Ed. Fi,
2020. No prelo) entre muitos outros.
[2]
Talvez fosse mais apropriado falar em letramento cinematográfico ou cinemático,
mas, preferi manter assim para não ampliar muito termos e denominações.
[3] O
argumento é que a necessidade humana de sobreviver no ambiente hostil das
floresta e diante de evidente fragilidade da espécie, desenvolvemos muito a
capacidade de “interpretar” os indícios que nossa observação do ambiente,
sobretudo visual, podia apreender. A ideia é um desdobramento da reflexão,
proposta por Ginzburg para explicar o “paradigma indiciário”, análogo à
semiótica médica, empregado por historiadores da arte. (GINZBURG, Carlo.
Sinais. In: Mitos, Emblemas e Sinais. São Paulo: Cia das Letras, 1989,
p.143-179)
Acho o filme A invenção de Hugo Cabret uma ótima oportunidade para conhecer parte da história do cinema, assisti esse filme sem me dar conta de que se tratava da maneira como Méliès, antes mesmo dos irmãos Lumière perceberem a dimensão poética de seu próprio invento, viu nele a possibilidade da magia se concretizar através das imagens editadas e construiu uma fabulosa casa de vidro resolvendo o problema da luz, sem querer dar spoiler rsrs, verei novamente.
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