quarta-feira, 1 de julho de 2020

QUESTÕES PRELIMINARES



Algumas premissas contribuem para que possamos avançar nas análise das narrativas audiovisuais. A intenção é estabelecer uma relação mais “racional”, mais crítica com filmes e as demais formas de manifestação da cultura. A finalidade não é evitar uma submissão aos diversos “dispositivos” empregados pelas artes do espetáculo, mas reconhecê-los e refletir sobre eles. A diferença entre três situações de "audiência" – como pode ser chamada – é muito tênue.

A primeira, pode ser definida como ingênua e sugere que o analista se submeta, deliberadamente, aos apelos da obra para, somente depois, pensar a seu respeito, a partir de repertórios sobre o tema, prévios e/ou posteriores. Sendo a obra reconhecida como detendo méritos por especialistas, isso é quase uma exigência a ser cumprida. A submissão é, inclusive, importante para a análise. Nesse sentido, sempre sugiro aos meus alunos que não leiam qualquer análise sobre as obra antes de a estudarem somente com o repertório que já detém, para depois avançarem nas leituras.  

A segunda posição é a crítica, segundo a qual é imprescindível avaliar o máximo possível os dispositivos empregados pelos realizadores para que as obras alcancem seus objetivos em relação ao público. Nesse caso é preciso recorrer a uma assistência mais racional, marcada por um distanciamento analítico, atentando-se aos detalhes, à interpelação que as obras fazem aos repertórios prévios do público, aos clichês etc. – isso ficará mais claro em seguida. Nesse caso, é importante que se tenha um conhecimento prévio sobre o tema, conforme ele vem sendo abordado na sociedade e época, bem como buscar ampliar ao conhecimento posteriormente. A busca de informações incluem a leitura de resenhas sobre a obra em foco, todos os elementos da produção, especialmente roteiristas, atores etc.

A terceira é aquela mais sofisticada, e pode ser chamada especializada. A assistência requer escolhas temáticas bem definidas, a fim de que a análise obedeça a algumas diretrizes e não outras. Aqui a obra é que submete aos interesses dos analistas e deve ser orientada por uma “erudição” – um conhecimento bem construído sobre o tema a ser abordado, sobre todos os elementos da produção e da sociedade onde emergiu a obra – alimentado por questões bem colocadas – no sentido que questões que possam ser respondidas pela obra e que contribuam para destrinchá-la sob viés que interessa ao analista. Há a necessidade de um conhecimento mais sofisticado sobre arte, cinema e/outras formas de expressão análogas, como da linguagem cinematográfica também.

Há que se reconhecer que essas indicações são “didáticas” e não ocorrem, realmente, de forma distinta. Muito pelo contrário, elas são operadas nas diversas vezes em que assistimos as obras a fim de refletirmos sobre elasoutra exigência metodológica. Mas, é importante ter claro que uma narrativa audiovisual guarda uma infinidade monumental de aspectos a serem analisados, de forma que é, virtualmente, impossível abordar todos eles. Sob um ponto de vista metodológico, o melhor que se pode fazer é realizar uma descrição densa.

As possibilidades de abordagem antropológica de obras de arte, tomando-as como expressões próprias de uma determinada cultura e época, além de uma reflexão mais pontuada sobre como realizá-la podem ser encontradas na obra do antropólogo Clifford Geertz (1989),[1]  e do historiador Carlo Ginzburg[2].

Visto isso, vamos aos filmes.  




[2] GINZBURG, Carlo. Sinais. In: Mitos, Emblemas e Sinais. São Paulo: Cia das Letras, 1989, p.143-179.

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