quarta-feira, 1 de julho de 2020

HISTÓRIA & NARRATIVAS CINEMATOGRÁFICAS: OFICINA DE USO NAS AULAS DE HISTÓRIA


Caros leitores, saudações! 


Sou o professor Roberto Abdala, doutor em História (UFMG) e mestre em Educação (UFMG). Leciono História há 40 anos – no Ensino Básico desde 1981 e no Ensino Superior desde 2001 e na História da UFG, desde 2011. Minha apresentação tem a intenção de demonstrar que não sou um aventureiro ou diletante como é frequente na Internet, mas um profissional.

Como o texto é voltado para alunas/os e professoras/es de História, mas, é divulgado em uma mídia popular e simples, optei por expor as ideias de forma mais ligeira e sem profundar muito em questões teóricas. Mas, ao contrário de muitos animadores de auditório que se autointitulam especialistas e até filósofos, o leitor sempre vai encontrar as referências teóricas e/ou empíricas que sustentam meus argumentos nos artigos e/ou livros que indico como referência. 


Boa leitura e bom trabalho!!!

INTRODUÇÃO


As relações entre cinema e história sempre intrigaram e instigaram os envolvidos com esses dois campos da cultura, desde o momento em que o fenômeno cinematográfico nasceu. Ao longo do século que se seguiu à invenção do cinema, não foram poucas as tentativas para apreender a extensão que estas relações alcançam. No entanto, até hoje não é possível dimensioná-las satisfatoriamente, tampouco avançou-se muito sobre em que consiste a magia da exibição de um filme para um público. Isso não significa que, no século do cinema, não se tenha especulado muito a respeito.

Os trabalhos sobre o tema são muito diversos, mas, em geral, tendem a privilegiar uma de suas dimensões, a fim de contornar dificuldades: investiga-se a linguagem, a produção, a recepção ou alguns desses elementos conjugados. Há também estudos sobre estilos, gêneros, diretores, teorias do cinema. Mesmo assim, o universo de dúvidas é desproporcionalmente maior do que o de certezas. O problema das relações entre história e cinema permanece, pois, como grande desfio na atualidade.

Nesse sentido, são necessários esclarecimentos prévios quanto às noções e argumentos que devem orientar o trabalho. Herdeira da tradição que toma o fenômeno “cinema” em viés antropológico, exploramos uma articulação das teses de distintos campos de conhecimento, tomando como referências diversas reflexões teóricas e pesquisas das ciências humanas – todos, no entanto, forjados segundo uma gênese teórica comum, como veremos. Alguns deslocamentos conceituais são também exigidos para que possamos nos aproximar desse que é um objeto tão importante, como complexo e instigante.

QUESTÕES PRELIMINARES



Algumas premissas contribuem para que possamos avançar nas análise das narrativas audiovisuais. A intenção é estabelecer uma relação mais “racional”, mais crítica com filmes e as demais formas de manifestação da cultura. A finalidade não é evitar uma submissão aos diversos “dispositivos” empregados pelas artes do espetáculo, mas reconhecê-los e refletir sobre eles. A diferença entre três situações de "audiência" – como pode ser chamada – é muito tênue.

A primeira, pode ser definida como ingênua e sugere que o analista se submeta, deliberadamente, aos apelos da obra para, somente depois, pensar a seu respeito, a partir de repertórios sobre o tema, prévios e/ou posteriores. Sendo a obra reconhecida como detendo méritos por especialistas, isso é quase uma exigência a ser cumprida. A submissão é, inclusive, importante para a análise. Nesse sentido, sempre sugiro aos meus alunos que não leiam qualquer análise sobre as obra antes de a estudarem somente com o repertório que já detém, para depois avançarem nas leituras.  

A segunda posição é a crítica, segundo a qual é imprescindível avaliar o máximo possível os dispositivos empregados pelos realizadores para que as obras alcancem seus objetivos em relação ao público. Nesse caso é preciso recorrer a uma assistência mais racional, marcada por um distanciamento analítico, atentando-se aos detalhes, à interpelação que as obras fazem aos repertórios prévios do público, aos clichês etc. – isso ficará mais claro em seguida. Nesse caso, é importante que se tenha um conhecimento prévio sobre o tema, conforme ele vem sendo abordado na sociedade e época, bem como buscar ampliar ao conhecimento posteriormente. A busca de informações incluem a leitura de resenhas sobre a obra em foco, todos os elementos da produção, especialmente roteiristas, atores etc.

A terceira é aquela mais sofisticada, e pode ser chamada especializada. A assistência requer escolhas temáticas bem definidas, a fim de que a análise obedeça a algumas diretrizes e não outras. Aqui a obra é que submete aos interesses dos analistas e deve ser orientada por uma “erudição” – um conhecimento bem construído sobre o tema a ser abordado, sobre todos os elementos da produção e da sociedade onde emergiu a obra – alimentado por questões bem colocadas – no sentido que questões que possam ser respondidas pela obra e que contribuam para destrinchá-la sob viés que interessa ao analista. Há a necessidade de um conhecimento mais sofisticado sobre arte, cinema e/outras formas de expressão análogas, como da linguagem cinematográfica também.

Há que se reconhecer que essas indicações são “didáticas” e não ocorrem, realmente, de forma distinta. Muito pelo contrário, elas são operadas nas diversas vezes em que assistimos as obras a fim de refletirmos sobre elasoutra exigência metodológica. Mas, é importante ter claro que uma narrativa audiovisual guarda uma infinidade monumental de aspectos a serem analisados, de forma que é, virtualmente, impossível abordar todos eles. Sob um ponto de vista metodológico, o melhor que se pode fazer é realizar uma descrição densa.

As possibilidades de abordagem antropológica de obras de arte, tomando-as como expressões próprias de uma determinada cultura e época, além de uma reflexão mais pontuada sobre como realizá-la podem ser encontradas na obra do antropólogo Clifford Geertz (1989),[1]  e do historiador Carlo Ginzburg[2].

Visto isso, vamos aos filmes.  




[2] GINZBURG, Carlo. Sinais. In: Mitos, Emblemas e Sinais. São Paulo: Cia das Letras, 1989, p.143-179.

LETRAMENTO AUDIOVISUAL



O primeiro passo numa caminhada visando a um “letramento audiovisual” é, certamente, assistir a filmes. Lógico, a seguir deve-se analisá-los, ler e estudar sobre eles, pensar sobre o que representaram na época em que foram produzidos, ou depois, nos momentos em que foram exibidos – no seu lançamento comercial, em casa ou na sala de aula.

Imprescindível para todos que pretendam lidar com “narrativas audiovisuais” [1] – pesquisador ou professor – assistir a filmes cria e amplia a cultura, o repertório cinematográfico – ou de narrativas audiovisuais – e também constrói ou aprimora conhecimentos sobre a linguagem audiovisual e suas possibilidades de uso. Assistir filmes frequentemente, não só entra na construção do processo de “letramento audiovisual”[2] - que deve ser compartilhado com os alunos - como deve ser considerada uma das mais estratégicas práticas de aprendizado empírico.

Análogo ao letramento literário, é interessante que o processo siga uma trajetória crescente de “especialização” – no sentido do reconhecimento de elementos característicos da arte cinematográfica. Assim como outras formas de ensino-aprendizagem, o letramento audiovisual consiste em trazer para campo do conhecimento objetivo, das ciências, práticas culturais que são, estritamente falando, habilidades largamente empregadas e característica da espécie humana.[3]   
O processo de “letramento audiovisual” pretende formar “leitores especializados” e consiste, basicamente, de iniciar com a exibição de obras seguidas de análises mais simples, avançando até chegar às mais complexas. A finalidade é fazer com que o analista e/ou o público sejam capazes de alcançar a fruição de obras canônicas – com o cuidado de evitar estabelecer hierarquias, sempre reféns das culturas “dominantes”, em todos os campos.  

Um dos elementos fundamentais desse letramento é aprender sobre a linguagem audiovisual/cinematográfica para ser capaz de analisá-la tema que trataremos adiante. Uma análise sumária das obras audiovisuais que circulam na cultura indica que seus dispositivos não parecem ter limites de criação ou invenção. A sugestão do filme A invenção de Hugo Cabret (SCORSESE, 2011) pretende contribuir para o reconhecimento desse maravilhoso traço na/da sétima arte, sua capacidade ilimitada criar e encantar.

O filme usa o recurso de 3D em um enredo que tem o período da história do cinema como contexto, exibindo, inclusive, sequências cinematográficas de filmes históricos, de maneira dramatizada-performativa. Além da estória do menino contada pela narrativa cinematográfica – muito sensível e humana, Scorsese também apresenta um personagem histórico – Méliès.  O filme ainda exibe algumas das obras de Méliès e representa o que deve ter sido o mundo da sétima arte nas primeiras décadas do século XX, destacando a magia que envolvia a produção cinematográfica na época.

São mostradas algumas das primeiras estratégias de construção de narrativas audiovisuais e algumas das prováveis práticas e invenções do primeiro cinema. Nos são apresentadas também as temáticas abordadas pelos filmes, as formas simples de enredo, montagem e o uso de alguns dispositivos cinematográficos mais básicos. O público pode vislumbrar os sonhos por trás das produções, o caráter amador e experimental dos diversos realizadores. Não seria exagero afirmar que a ideia de “magia” que o cinema significou nas primeiras décadas tona-se menos obscuro para os públicos do filme.   

Reunindo dramatização/performances sobre a vida no cinema das primeiras décadas e sequências cinematográficas históricas sob uma tecnologia de recente e sofisticada, o diretor nos brinda com uma obra de arte do cinema contemporâneo e nos faz testemunhar o quanto a sétima arte é dependente da linguagem.

Viva o cinema, enfim!




[1]A ideia de “narrativas visuais” e como foram engendradas, bem como uma historiografia sobre o tema pode ser encontrada na obra de Burke (BURKE, Peter. Testemunha Ocular: história e imagem. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2004: 175-211). Sobre a noção de “narrativas audiovisuais” pode-se consultar, além de Burke, Ferro (FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010) e Abdala Jr (História e narrativas audiovisuais, Ed. Fi, 2020. No prelo) entre muitos outros. 
[2] Talvez fosse mais apropriado falar em letramento cinematográfico ou cinemático, mas, preferi manter assim para não ampliar muito termos e denominações.
[3] O argumento é que a necessidade humana de sobreviver no ambiente hostil das floresta e diante de evidente fragilidade da espécie, desenvolvemos muito a capacidade de “interpretar” os indícios que nossa observação do ambiente, sobretudo visual, podia apreender. A ideia é um desdobramento da reflexão, proposta por Ginzburg para explicar o “paradigma indiciário”, análogo à semiótica médica, empregado por historiadores da arte. (GINZBURG, Carlo. Sinais. In: Mitos, Emblemas e Sinais. São Paulo: Cia das Letras, 1989, p.143-179) 

LETRAMENTO AUDIOVISUAL 1 / HISTÓRIA DO CINEMA: uma introdução

Cineclube completa sua 300ª exibição neste sábado

Existem muitas possibilidades de conhecer a história do cinema. Na internet  é muito fácil de encontrá-las, em textos, em blogs, em videos. 

Mas, há outra forma muito interessante: por meio de filmes, documentários, ou até ficção. 

Um filme ótimo para se deleitar com cinema de primeira qualidade que é, ao mesmo tempo, uma  homenagem ao início do cinema de ficção é: A invenção de Hugo Cabret (Hugo,EUA, 2011). 

O filme foi dirigido por Martin Scorsese


Para ler sobre:

Vikipédia 

O cinema reinventando a escola – Um diálogo da Educomunicação com o filme A invenção de Hugo Cabret / The cinema reinventing the school – A dialogue between Educommunication and the movie Hugo


Claudia Mogadouro