sábado, 30 de maio de 2020

INTERPRETANDO O CINEMA

Após uma pequena prática de letramento audiovisual, chegou a hora de lidar como nossos objetos de estudo: os filmes.  Mas, antes falemos um pouco mais do significado de “letramento audiovisual”. Sabemos que os seres humanos lidam com imagens desde muito cedo – veja nas postagens anteriores e em Ginzburg (1989)[1] – o que chamo de letramento não passa de um processo de objetivação de práticas antropológicas, ou seja, continuar a fazer o que fazemos desde sempre, mas agora, desnaturalizando o processo.

A atitude analítica não cessará mais, pois, de agora em diante, todas as vezes que você se deparar com imagens e/ou imagens-movimento elas se converterão em algo que demanda análise e explicação, de forma a evitar que se tornem “naturais”.  Teoricamente, você passa a concebê-las como “representação” da realidade(s), e dessa forma, deixam de dar ilusão de serem o ou um real, ganhando status de algo que foi mediado pelo significado que a cultura lhe atribui.

Bakhtin explica esses diálogos que a literatura trava com essa realidade – ou o que ele chama de contexto “não verbais” – ele cita uma passagem de Dostoiévski na qual o personagem diz algo como: “o inverno...”. Não é difícil pensar que esse inverno tem significado distinto se for dito por um nordestino, pois isso é sinal de chuva, verde, fartura, ao contrário do que seria para um russo.

Observe que o processo de letramento não se encerra numa análise rápida. O que fica evidente é que há muito mais a ser feito. Mas, o que virá daqui em diante demanda uma teoria, um conjunto de ferramentas teóricas que permita o desmonte das estratégias que orientaram as produções dessas realidades representadas e, para além disso, quais as intenções que sua fabricação visava a alcançar.

Merece atenção o fato de que não vamos tentar invadir as mentes dos seres humanos que realizaram o filme, mas, ao contrário, basear nossa investigação naquilo que as próprias obras e no que seus realizadores nos revelam sobre o mundo que representam. Afinal, nem obras nem humanos estão descolados da cultura. Todos “habitam”, como os personagens dos filmes, um universo material e simbólico que confere significado ao mundo “audiovisual” que foi reunido para “fabricar” o filme.

 

 



[1] Não devemos esquecer outros campo de conhecimento que, de forma distinta, também argumentam a respeito da prática antropológica de lidar com imagens, como psicologia da percepção, semiótica da imagem, psicanálise, citando algumas.  


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